Há dias
estava a ler um livro de teoria da literatura chamado “O que é Conto” da autora
Luzia de Maria (altamente recomendável) que me abriu inúmeras possibilidades na
hora de escrever contos e sugeriu-me obras com sacadas geniais que pretendo
partilhar com os leitores agridoces no decorrer do artigo.
Detalhe:
que esse artigo seja um aperitivo e não o fim em si mesmo. A intenção é levar
os leitores a explorarem a referida obra.
O artigo
discorre sobre a problemática conceitual do conto. Desde a perspectiva clássica
que consistia, mais ou menos, em definir o conto como sendo uma narrativa menor
que a novela onde os eventos acontecem de forma sequencial (introdução, cume e
desfecho); até a perspectiva mais moderna que não obedece uma estrutura fixa e,
por isso, consegue formas subtis de contar uma história.
O livro
pouco retrata da forma clássica. Mas eu, que venho reconhecendo como cada vez
apreciador dos contos, reconheci na leve descrição do livro sobre a visão
clássica o Machado de Assis em seu conto O Alienista (outra recomendação), por
exemplo.
No entanto,
há controvérsias se O Alienista vem a ser um conto ou novela. Sem entrar no
mérito da questão e como o propósito do artigo é diferente, vou me centrar mais
na produção moderna.
Alguns
artistas vão ilustrar como é a visão moderna e instigar outras possibilidades
de contar
“Autor:
Artur Oscar Lopes
Obra:
Notícias
Notícias
Correio do
Povo 27/09/73
Informações
Maria Joana
Knijnick, solteira, procura pessoa do sexo oposto para fim de casamento. O
interessado deve ser pessoa sensível, que goste de ouvir música, seja alegre,
que goste de passear domingo de manhã, que goste de pescar, que goste de
passear na relva úmida da manhã, que seja carinhoso, que sussurre aos meus
ouvidos que me ama, que tenha bom humor, mas que também saiba chorar. Que saiba
escutar o canto dos pássaros, que não se importe de dormir ao relento numa
noite de lua, que saiba caminhar nas estrelas, que goste de tomar banho de
chuva, que sonhe acordado e que goste muito do azul do céu. Prefere-se pessoa
que saiba escutar os segredos de um riacho e que não ligue aos marulhos do mar;
que goste de bife com arroz e feijão, mas que prefira peru com maçã, dá-se preferência
a pessoas de pés quentes, que gostem de andar de barco, que gostem de amar e
que não puxem as cobertas de noite. Não se exige que seja rico, de boa
aparência, que entenda Kafka ou saiba consertar eletrodomésticos mas exige-se
principalmente que goste de oferecer flores de vez em quando.
End.: - Rua
da Esperança, 43
Correio do
Povo 02/10/73
Informações
Maria Joana Knijnick, solteira, procura pessoa
do sexo oposto para fim de casamento. O interessado deverá ser pessoa sensível
e que tenha o hábito de oferecer flores.
End.: - Rua
da Esperança, 43
Correio do
Povo 10/10/73
Informações
Maria Joana Knijnick procura pessoa que a ame
e goste de oferecer flores de vez em quando.
End.: Rua
da Esperança, 43
Correio do
Povo 20/10/73
Informações
Maria Joana
Knijnick pede que qualquer pessoa goste dela e suplica que lhe mande flores.
Correio do
Povo 14/11/73
Informações
A família da sempre lembrada Maria Joana Knijnick
comunica o trágico desaparecimento daquele ente querido e convida os amigos
para o ato de sepultamento. Pede-se não enviar flores.”
Como
podemos ver esse conto, eventos aparentemente soltos acabam por contar uma
história, sem a necessidade de eventos cadenciais e nem de aprofundamento nas
indicações de Maria Joana que é a personagem principal.
Em seguida
outra indicação de um conto com estrutura singular
Bertolt
Brecht, "0 Menino Inerme"
"O
senhor K., falando do péssimo hábitode deixar passar em silêncio as
injustiças,
contou esta pequena história. Um transeunte quis saber de um rapazinho
em lágrimas
a razão de suas penas.
— Eu tinha
nas mãos dois marcos para pagar uma entrada de cinema —
disse o
menino —, quando chegou um garoto mais forte do que eu e me arrancou
um deles 26
das mãos.
E apontou
um jovem, que ainda podia ser visto a uma certa distância.
— E você
não pediu socorro? — perguntou o passante.
— Claro —
respondeu o menino, soluçando ainda mais forte.
— E ninguém
o ouviu? — indagou ainda o estranho, acariciando-o
amavelmente.
— Não... —
soluçou o garoto.
— Quer
dizer que você não tem capacidade vocal, que o habilite a gritar
com mais
força? — interrogou o homem. — Nesse caso, passe já pra cá esse
outro
marco!
Tomando-o,
meteu-o no bolso e continuou tranqüilamente o seu caminho."
Um conto
que narra as consequências de não sermos capazes ir a luta por justiça, sem
recorrer uma transcrição literal de uma realidade que leve a essa compreensão.
Finalizamos
incentivando todos contistas e buscarem por diversos contos de forma a
ampliarem as possibilidades de escrita. É recomendável, também, a leitura de
teoria literária.
Autor: Isis Hembe
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