Paula e Luis eram amigos a muito tempo, mais tempo do que ela gostava de
admitir para não denunciar todas as 45 primaveras que já vivera, e das quais em
38 delas ele estivera presente em sua vida, hora mais próximo, hora mais
distante por causa dos compromissos e chatices da vida adulta. Ele era a alma
irmã de Paula, um pedaço dela que por descuido da vida havia nascido em outro
corpo.
Quando conversavam apenas se perdiam em diálogos infinitos e
despretensiosos, não tentavam encontrar as soluções para as crises globais, nem
pretendiam achar as respostas para as perguntas existencialistas que o mundo
empurra goela abaixo, eles apenas abriam seus corações na certeza de ser
compreendidos, mesmo quando as palavras faltavam e eram insuficientes para
expressar o sentimento. Os olhares trocados preenchiam as lacunas, às vezes eram
olhos chuvosos que se derramavam em dor e tristeza, às vezes eram sorrisos na
pupila que extrapolavam a pálpebra. Tinham seu idioma próprio e apenas os dois
falavam-no com fluência.
Num dos dias de melancolia sem razão, depois de minutos calada, Paula
lhe confidenciou:
- Sabe Luis, meu maior medo na vida é a rotina, é acabar me acostumando.
Nessa vida tudo é contornável. O homem pode se acostumar com as piores
condições de vida – fome, miséria, violência, doenças, somos programados para
sobreviver e para isso às vezes fechamos
os olhos e tapamos os ouvidos. Morro de medo de um dia acordar e perceber que
deixei de ver com estranheza, e até horror, esses pequenos absurdos cotidianos
que de tanto escutarmos na TV, cada dia parecem mais normais, menos sustos
causam. É por isso que de vez em quando eu me desligo de tudo por um tempo e me
desintoxico dessa sobrecarga de informações negativas. Não vou deixar que
ninguém me convença que o mundo está perdido, para mim não, eu ainda vejo muito
pelo que lutar e enquanto não posso fazer muita coisa ao menos tento manter
acesa essa fome de mudança que mora aqui dentro e mudo a mim mesma um pouquinho
a cada dia. Deus me livre de morrer uma pessoa pior do que nasci.
Autora: Laine Ferreira
Sem comentários:
Publicar um comentário