Elizandro,
Sou eu. Desculpa-me por estar a telefonar
nesta hora de confusão. São 03 horas da manhã e sei que estás na tua habitual
guerra com as estrelas, mas eu não consigo dormir.
Andas em voltas na minha cabeça, e no meu
coração martelas recordações recheadas de nostalgia e vontade de
regresso.
Não preciso de respostas. Só peço que me
faças companhia nesta madrugada tão triste, que me ouças e faças sentir outra
vez o prazer de ter alguém com quem partilhar os momentos do meu dia, desde a
ida à padaria até aos problemas da minha família. Tu sabes... São tantos! Ontem
os meus pais lutaram outra vez, o pai atirou a mãe contra o sofá sem se
importar com a Luna, que estava lá a descansar. Ela gritava e chorava tanto,
Elizandro. Tu nem imaginas o quanto o meu coração despedaçou-se. Coloquei-a no
colo e corremos para o meu quarto. Trancamo-nos.
Eles, na sala, continuaram com a guerra de
corpos e línguas. Diziam palavras tão feias que me fizeram questionar as razões
pelas quais continuam juntos até hoje.
É o amor! Eles dizem.
O que é este sentimento? Para além de uma
incapaz gota de água no oceano?
O amor é uma mentira, Elizandro... e eu
não quero acreditar nele.
Qual é a pessoa que bate em nome do amor? Que
trai pela sua ausência e faz promessas de morte a quem diz amar?
Não consigo compreender.
(...)
Hoje senti a tua falta de um forma tão
profunda, que cada pulsar do meu sangue chamava pelo teu nome. Embora
acredite que todos já nascem completos, vejo-nos como a excepção. Um só,
dividido em dois.
Desde que coloquei a minha cabeça na
almofada, as lágrimas fizeram-se presentes e, agora, enquanto falo contigo,
lamento porque quero estar num lugar que já não existe: ao teu lado.
(...)
Ontem, enquanto folheava as páginas do meu
diário, encontrei uma das flores que me ofereceste no dia do meu aniversário...
já seca e sem cor. Não me lembrava de a ter guardado, e nem pensei que
estivesse aqui por tanto tempo.
Foi então que pensei no teu sorriso
brincalhão, nas calças a cair e nos teus suspensórios tão indispensáveis...
Reproduzi a minha frente, no escuro do quarto, a cena daquele dia ensolarado:
Tu estavas a andar de skate e paraste no meu
portão.
Uma.
Duas.
Três.
Quatro.
Cinco.
Seis.
Eram seis flores... todas da mesma cor.
Tu sempre soubeste o quanto eu detestava cor-de-rosa, mas
também sabias que eu amava flores. Então, não perdeste mais uma oportunidade de
me fazer querer matar-te e beijar-te ao mesmo tempo.
Falavas do meu jeito indeciso, da minha maneira receosa
de me entregar: dois passos para frente e três para trás.
Fazias declarações de amor, e recebias baldes de água
fria em troca.
Falavas-me sobre mil coisas e eu concluía com poucas
palavras.
Eras a minha outra metade, mas eu olhava-te como parte
independente.
Sentia algo tão forte por ti! Só não sabia como nomear
aquele sentimento.
Juro-te que nunca faltou reciprocidade, nunca faltou
vontade e sempre houve verdade.
Cada um dá aquilo que tem, tu me davas o que chamas de
amor e eu te dava algo muito mais avassalador...
Lembro-me do cacimbo de 2014, quando eu fugi de casa por
não aguentar mais aquele ambiente destrutivo. Não tinha onde morar, e tu
não podias levar-me para o apartamento dos teus pais. Não me esqueço das
palavras que me disseste: ''onde
tu estiveres, eu estarei.''
E assim, moramos juntos na tua carrinha, durante duas
semanas... e fizeste a pergunta que assinalou o começo do nosso desfecho.
— Amas-me?
Um nó formou-se na minha garganta, e a impaciência
brilhava nos teus olhos escuros.
— Como é que posso te amar, se nem sequer acredito no
amor?
A impaciência do teu olhar, desfez-se em estilhaços de
vidro, e a tristeza tomou lugar... sem dizer coisa alguma. O nó desfez-se
da minha garganta, e outras palavras formaram-se:
— O que sinto por ti é algo muito mais fixe do que isso.
Tu não querias ouvir aquilo, não estavas disposto a
perceber a minha forma de entrega. Querias seguir as leis do mundo, enquanto eu
queria que criássemos as nossas próprias.
Naquele momento, como que por um instinto, quase
inconsciente... convidaste-me para fugir contigo e nunca mais regressar.
Eu iria aceitar, porque qualquer lugar seria um paraíso
ao teu lado.
Eu iria aceitar, porque já estávamos mesmo fora
de casa e tínhamos pouco a perder.
Eu iria aceitar... até que me lembrei da minha Luna, a
minha mana mais nova.
Imaginei como estavam a ser os dias dela sem mim...
repensei na violência e nas constantes bebedeiras dos meus pais... pensei no
quão egoísta fui por ter abandonado o barco, deixando-a lá para
afundar...
Recusei a tua proposta e disse que precisava de voltar
para casa naquele instante. Tu não disseste sequer uma palavra, entraste para o
carro, e começaste a conduzir... Lá atrás, tapada com um lençol xadrez eu
chorava as lágrimas do nosso fim.
Quando estacionaste no meu portão. Eu desci. Perguntei se
estavas bem. Disseste que sim. Os meus olhos não viram a verdade em tinta
desbotada a escorrer pelo teu rosto.
Então, sorri e abafei os soluços da tua alma.
Tirei a minha mochila do carro. Pedi que conduzisses com
segurança e avisasses logo que chegasses.
Deixei-te ir embora...
o meu dedo em círculos passeou pelos teus lábios e deles
saiu um sopro de despedida.
(...)
Aquele foi o último dia em que te vi, e já
passou tanto tempo!
(...)
Enquanto falo contigo, a Luna dorme nos meus
braços. Ela está tão crescida! Já começou a ir para a escola. Acreditas? Tenho
tentado dar a ela todo o carinho que os meus pais não conseguem dar.
(...)
Espero que tu e a tua família estejam
bem.
Agora, depois de ter falado contigo, sinto-me
bem mais leve e posso dormir em paz!
Desculpa-me por te ter acordado, mas eu já
não aguentava este silêncio atormentador.
Antes de desligar, quero que saibas de algo: Alguns sentimentos são tão nobres
que ultrapassam o vocabulário humano. O que sinto por ti é assim...
Elizandro, eu posso não acreditar no amor,
mas em ti... meu bem! Em ti eu sempre acreditei... és mais verdadeiro do que ele.
(Chamada terminada)
Grande texto, vi-me na pele da nossa querida amiga. Tu escreves como ninguém Rosa linda do meu jardim, tardei muito a passar por aqui, mas agora que cheguei já não saio, e vou me deliciar com os teus lindos textos 😍
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