Acordei de madrugada, estava sem sono e sem sonhos para
manhã seguinte. Pensei em todas as pessoas que saíram da minha vida sem dar
satisfação, que entraram no meu coração e deixaram toda essa desarrumação,
especialmente em ti. Este é o lado mau de ter insónias, a mente insiste em
lembrar de coisas melancólicas e eu fico com aquela vontade doentia de chorar,
comer chocolates, tomar café e organizar palavras para escrever algo que
preste.
Mexo um pouco e tento
encontrar uma posição confortável para voltar a dormir...Viro para esquerda,
direita, dou meia volta e nada! Os meus olhos insistem em desobedecer-me, então, eu pego na minha máquina do tempo imaginária e viajo para aquela noite de
cacimbo em 2008. Éramos jovens, em plena fase de descobertas. Sorriamos no momento e
depois sofríamos com medo das consequências. Aquele cacimbo fez-nos viver
mais aventuras do que qualquer outra altura das nossas vidas. Era estranho
pisar nas nuvens sem sair do chão, estar o céu sem precisar voar.
Abri a primeira gaveta da mesa de cabeceira e tirei a minha
caixinha de lembranças, é a ela que eu recorro sempre que preciso sentir alguém
mais próximo nem que seja só na minha memória. Lá estava um postal que a minha
mãe enviou no Natal, a carta que o meu primo que mora na África do Sul
escreveu a contar-me sobre a nova vida dele lá, e-mails engraçados dos meus amigos
do tempo da escola, e alguns textos que eu imprimi para ler em momentos de
tristeza ou alegria... Naquela caixa, tinha tudo de todo mundo, mas não tinha
nada teu!
Sempre preferiste
falar, até onde me recordo escrever nunca foi o teu forte. Mesmo agora, depois
de adulto, preferes fazer vídeo-chamada do que teclar. Tu lá, depois do oceano,
com novos planos e sonhos...
Eu aqui, com a minha caneta
de sempre, papel, café e muita saudade. Por vezes desejo voltar no tempo, não
com a máquina imaginária mas sim na realidade e mudar os nossos itinerários.
Depois daquele cacimbo, eu escrevi-te algumas cartas mas tu
nunca respondeste. Apenas telefonavas ou pedias-me para ir para a Internet.
Maldita tecnologia! Estragou toda magia da escrita.
Lembras-te que eu não gostava de falar pela Internet? Achava
tudo isso uma forma camuflada de destruir as relações humanas...Mas afinal isso era apenas mais uma das
minhas neuras!
Aprendi a gostar
de tecnologias para poder acompanhar o teu ritmo. Acho que também devias tentar gostar das coisas que eu gosto, só para não me ver chorar. Tu nunca escreveste-me nenhuma carta, mesmo
sabendo que amo recebê-las.
Escreve-me também um dia desses, não quero um e-mail a desejar bom fim
de semana e nem mensagens a desejar-me bom dia. Escreve-me uma carta, a falar
sobre o clima da Europa, sobre as brincadeiras da tua filha mais nova, também
podes falar da tua esposa, ela conseguiu ensinar-te a fazer o nó da gravata? Já costumas tomar o pequeno almoço antes de sair de
casa? Espero que tenhas deixado de ser tão teimoso.
Escreve-me também um dia desses, mesmo que não haja
coerência nas tuas palavras, mesmo que não hajam promessas a cada verso, que
não hajam rimas a criar magia...Faz-me apenas lembrar daquele cacimbo, como eu
faço todos os dias.
Um texto muito lindo
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